MARCELA MARCOS – SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Diabetes, colesterol alto e doença da tireoide são só alguns dos problemas de saúde que a dona de casa Elvira Pessoa Ferreira, 71, tem. Os gastos com remédios chegam a R$ 300 quando um posto de saúde não fornece os medicamentos.
Já a compra de R$ 700 no supermercado tem de durar um mês para suprir as necessidades dela, do marido, do filho e do neto de um ano.
“Meu filho [pai da criança] está desempregado há dois anos e mora comigo. Além dos remédios e do mercado, tenho que comprar botijão de gás e fralda para meu neto”, conta Elvira, que recebe o BPC (Benefício de Prestação Continuada).
O benefício assistencial do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) garante renda no valor de um salário mínimo (R$ 998) e é concedido a idosos com mais de 65 anos e pessoas com deficiência que comprovem ter renda menor do que um quarto do piso salarial.
O projeto de reforma da Previdência do governo Jair Bolsonaro (PSL) prevê a redução do benefício. Pela PEC (Proposta de Emenda à Constituição), os pagamentos passariam a ser de R$ 400 a idosos a partir dos 60 anos.
O valor de um salário mínimo somente seria concedido a partir dos 70 anos. No caso das pessoas deficientes, não há mudanças.
No caso de Elvira, a soma dos gastos com supermercado e remédio já ultrapassa o valor do benefício, que ela recebe há um ano.
Mesmo com o marido aposentado (que também ganha um salario mínimo), sustentar a casa -em um conjunto habitacional de Guaianases (zona leste)- é tarefa difícil.
A situação é semelhante à de Luiz Laurentino dos Santos, 66, que também recebe o BPC há um ano. O dinheiro ajuda a manter os gastos da casa e custeia as despesas da mulher -que está doente- e do filho de 39, desempregado.
“Eu não tenho como trabalhar. Meu filho também não, porque teve um problema na perna e mal consegue andar. O que ganho praticamente só dá para os remédios. Tanto é que estou com a conta de luz atrasada há três meses”, conta Santos.
O BPC também não cobre as despesas básicas de Maria du Carmo Fernandes, 56, que recebe o benefício porque tem uma filha de 13 anos com síndrome de Down. Ela sustenta a garota sozinha.
Maria foi demitida do emprego logo que voltou da licença-maternidade, quando a menina nasceu. Desde então, não conseguiu voltar ao mercado de trabalho.
Na ponta do lápis, a conta não fecha: com R$ 998 recebidos mensalmente, ela gasta R$ 600 com supermercado, R$ 100 com a conta de luz, R$ 170 para pagar o telefone e R$ 290 com condomínio. Só essas despesas já somam R$ 1.160, além de outros gastos.
“Se, com esse dinheiro [do BPC] já não dá, imagina se eu recebesse menos? Teria que escolher entre comer e morar”, afirma Maria. Ela diz que só não precisa gastar com medicamentos para a filha porque a garota é atendida gratuitamente no hospital infantil Darcy Vargas.
Ter de fazer uma escolha entre duas necessidades básicas é uma reclamação que o defensor público federal André Luiz Naves Ferraz ouve diversas vezes por semana na Defensoria Pública da União. O órgão ajuda pessoas com direito ao BPC a requerer a renda no INSS.
“É muito comum as pessoas virem aqui falando: ‘Doutor, ou eu como ou tomo remédio'”, afirma Ferraz.
Sobre as mudanças previstas pela reforma, ele diz que, embora não seja contrário à proposta como um todo, “a culpa não pode ser jogada sobre o pobre”. “Cabe lembrar que o salário mínimo já não acompanha os gastos dos idosos”, afirma o defensor.
Fonte: FOLHAPRESS