Entenda os questionamentos e o que pode acontecer com Deltan

As mensagens divulgadas pelo The Intercept arranharam a imagem do procurador

Foto: Divulgação

O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da Operação Lava Jato em Curitiba, teve sua conduta colocada em xeque depois do vazamento de mensagens trocadas no aplicativo Telegram e obtidas pelo site The Intercept Brasil.

O material divulgado desde 9 de junho -em alguns casos, em parceria com outros veículos, incluindo a Folha de S.Paulo -abrange conversas a partir de 2015.

Segundo o Intercept, ele foi obtido por meio de uma fonte anônima. Preso em operação da Polícia Federal, Walter Delgatti disse ter sido o autor do hackeamento e responsável por repassar o conteúdo capturado para o site.

As críticas a Deltan e as pressões por seu afastamento da Lava Jato aumentaram após a revelação de que ele estimulou procuradores em Brasília e Curitiba a investigar os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli e Gilmar Mendes de forma secreta.

Veja abaixo os possíveis desdobramentos da divulgação das mensagens e o que pode acontecer com o coordenador da força-tarefa da Lava Jato.

Quais os principais questionamentos sobre a conduta de Deltan?

As mensagens trocadas pelo Telegram indicam que o procurador trocou colaborações com o então juiz do caso, Sergio Moro. Críticos dizem que o relacionamento foi indevido e comprometeu a imparcialidade dos processos, ferindo o direito de defesa de acusados na Lava Jato.

Diálogos apontam que Deltan incentivou colegas em Brasília e Curitiba a investigar os ministros do STF Dias Toffoli e Gilmar Mendes sigilosamente. A legislação brasileira não permite que procuradores de primeira instância, como é o caso dos integrantes da força-tarefa, façam apurações sobre ministros de tribunais superiores.

Conforme revelou a Folha de S.Paulo em parceria com o Intercept, Deltan também montou um plano de negócios de eventos e palestras para lucrar com a fama e contatos obtidos durante a Lava Jato. Ele e o colega Roberson Pozzobon cogitaram abrir uma empresa em nome de suas mulheres para evitar questionamentos legais. Deltan também fez uma palestra remunerada para uma empresa que havia sido citada em um acordo de delação.

O UOL publicou reportagem no qual relata que Deltan usou a Rede Sustentabilidade para extrapolar suas atribuições e propor uma ação no STF contra Gilmar Mendes.

Quais os argumentos de Deltan?

Em suas manifestações, a força-tarefa comandada por Deltan afirma que “não reconhece as mensagens que têm sido atribuídas a seus integrantes” e que “o material é oriundo de crime cibernético e tem sido usado, editado ou fora de contexto, para embasar acusações e distorções que não correspondem à realidade”.

Quanto à colaboração com o então juiz Sergio Moro, diz que os contatos mantidos foram normais do dia a dia da prática jurídica.

Em relação às apurações sobre os ministros do STF, os procuradores afirmam que é dever deles encaminhar à Procuradoria-Geral da República informações sobre autoridades com direito a foro especial e que isso tem sido feito de forma legal.

Deltan afirma que realiza palestras para promover a cidadania e o combate à corrupção e que faz isso de maneira compatível com a atuação no Ministério Público. Ele e Pozzobon dizem que não abriram firma em nome de suas esposas e que não atuam como administradores de empresas. Em relação à palestra para empresa citada em delação, Deltan diz que não tinha conhecimento da menção e que, quando teve ciência, afastou-se de procedimentos relativos à companhia.

Sobre os contatos com a Rede Sustentabilidade, a força-tarefa diz serem plenamente lícitos para defender o interesse social nos temas de atuação do Ministério Público.

Quem poderia tomar eventual decisão de afastamento de Deltan da Lava Jato?

No âmbito do Ministério Público Federal, o afastamento de Deltan só pode ocorrer por decisões de dois colegiados, por maioria de votos. Um deles é o Conselho Superior do Ministério Público, em caso de membros indiciados ou acusados em processo disciplinar. O outro é o pleno do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), também em processo com direito ao contraditório.Por que há dois conselhos diferentes que podem ter essa atribuição?

A lei prevê que os afastamentos possam ser feitos por um órgão interno do Ministério Público Federal, no caso o Conselho Superior, e por um de controle externo, o CNMP.

O Conselho Superior é o órgão máximo de deliberação do Ministério Público Federal. É formado pelo procurador-geral da República, que preside o colegiado, e oito subprocuradores-gerais da República.

Já o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) tem por finalidade realizar o controle externo das atividades dos membros do Ministério Público. Presidido pelo procurador-geral da República, tem mais sete integrantes do Ministério Público, dois juízes, dois advogados e dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, chefe do Ministério Público, pode tomar a decisão de afastar Deltan?

Deltan não poderia ser afastado em razão de uma decisão individual da PGR. Os procuradores da República, promotores e juízes têm a sua independência protegida pelo princípio constitucional da inamovibilidade.

Essa regra prevista na Constituição garante que as autoridades não possam ser retiradas de processos por decisões de chefes das instituições e só sejam afastadas caso surjam indícios de crimes graves em apurações contra elas.

Que ações ou representações já foram promovidas contra Deltan para tentar afastá-lo?

Desde o início da publicação de reportagens com as mensagens do Telegram, congressistas já protocolaram representações contra Deltan no Conselho Nacional do Ministério Público.

A primeira apuração sobre Deltan relativa às mensagens obtidas pelo Intercept foi aberta em 10 de junho, no dia seguinte à publicação de reportagem sobre a colaboração entre Deltan e Moro, e foi arquivada em 27 de junho.

O corregedor do CNMP, Orlando Rochadel, encerrou o caso sob o argumento de que não era possível confirmar a autenticidade dos diálogos veiculados pelo site, que eles foram captados de forma ilícita e que ainda que as mensagens em tela fossem verdadeiras e tivessem sido captadas de forma lícita, “não se verificaria nenhum ilícito funcional”.

Posteriormente, o corregedor instaurou duas novas reclamações disciplinares no CNMP para apurar o teor das reportagens da Folha de S.Paulo que mostraram que Deltan elaborou um plano de negócios de eventos e palestras para lucrar com a fama e contatos conseguidos no decorrer da Lava Jato e fez uma palestra remunerada para empresa citada em acordo de delação premiada do escândalo de corrupção.

Deltan pode ser promovido para a segunda instância, deixando a Lava Jato, contra sua vontade?

Não. Com base também no princípio da inamovibilidade, os procuradores podem recusar promoções.

Fonte: FOLHAPRESS