AntagonistaRO – A ideia de que “a ignorância é a mãe da felicidade” tem sido repetida ao longo da história como um ditado que sugere que saber menos pode significar sofrer menos. Mas até que ponto essa premissa se sustenta? Quando analisamos os aspectos cognitivos da assimilação do óbvio e as desigualdades no acesso ao conhecimento, percebemos que a ignorância, mais do que um estado de inocência, pode ser um mecanismo de exclusão e um sintoma de problemas sociais mais profundos.
A mente humana opera com atalhos cognitivos para facilitar a compreensão do mundo. O problema surge quando esses atalhos tornam-se muros que nos impedem de enxergar além da nossa bolha de percepção. Muitas vezes, aquilo que chamamos de “óbvio” é, na verdade, um consenso socialmente construído, e não uma verdade universal. Pessoas que se recusam a questionar o que consideram óbvio tendem a rejeitar novas informações que desafiem suas crenças, o que gera bolhas de desinformação e reforça preconceitos.
O fenômeno do viés de confirmação ilustra bem essa dinâmica: tendemos a aceitar informações que validam o que já acreditamos e rejeitar aquelas que nos desafiam. Essa resistência ao aprendizado não significa felicidade genuína, mas uma forma de conforto que evita o desconforto do questionamento. O problema é que essa “felicidade” da ignorância pode custar caro, levando a decisões erradas, perpetuação de injustiças e manipulação por grupos que lucram com a desinformação.
Se, por um lado, a ignorância pode servir de escudo para evitar desconfortos, por outro, o conhecimento pode se tornar um instrumento de discriminação. O sociólogo Pierre Bourdieu cunhou o termo “capital cultural” para descrever como o acesso à educação, à cultura e ao conhecimento influencia a posição social de uma pessoa. Quem possui esse capital tende a olhar com desdém para aqueles que não tiveram as mesmas oportunidades, reforçando desigualdades.
Esse elitismo do saber pode ser tão nocivo quanto a ignorância deliberada. Em vez de promover um ambiente onde o conhecimento seja compartilhado e acessível, muitos usam o saber como um marcador de status, criando barreiras entre “os que sabem” e “os que não sabem”. Isso pode levar a um ciclo de exclusão, onde aqueles que não tiveram acesso a uma educação formal de qualidade são vistos como incapazes ou indignos de participação em debates importantes.
A solução não está em exaltar a ignorância nem em transformar o conhecimento em um símbolo de superioridade. O verdadeiro desafio está em democratizar o saber e incentivar o pensamento crítico sem menosprezar aqueles que ainda não tiveram acesso a ele. Felicidade e conhecimento não precisam ser opostos; pelo contrário, uma sociedade mais informada pode construir um bem-estar coletivo mais sólido do que aquele sustentado pela ignorância confortável.
No fim, a ignorância pode até proporcionar uma felicidade momentânea, mas é o conhecimento aliado à empatia que nos permite construir um futuro melhor para todos. Afinal, o verdadeiro privilégio não é saber mais do que os outros, mas poder compartilhar esse saber de maneira que transforme vidas.
*Samuel Costa é rondoniense, advogado, professor, jornalista e especialista em Ciência Política*
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