Após trégua no início da pandemia, governo português enfrenta protestos

O desgaste causado pela pandemia já é sentido nas pesquisas de opinião, que mostram a popularidade em queda do primeiro-ministro, António Costa, que tem agora 51% de aprovação

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Depois de se beneficiar de uma espécie de “trégua política” durante os primeiros meses da pandemia, o governo do Partido Socialista em Portugal enfrenta agora desafios que vão desde a dificuldade para aprovar o Orçamento para 2021 até protestos nas ruas promovidos por diferentes categorias.

Para complicar ainda mais o cenário, os socialistas acabam de perder o comando da região autônoma dos Açores, que comandaram nos últimos 24 anos. A manobra foi resultado de inesperada –e polêmica– aliança pós-eleitoral feita por partidos de direita, incluindo o ultradireitista Chega.

O desgaste causado pela pandemia já é sentido nas pesquisas de opinião, que mostram a popularidade em queda do primeiro-ministro, António Costa, que tem agora 51% de aprovação. O resultado representa uma diminuição de 12 pontos percentuais em relação a julho, segundo levantamento feito pela Aximage.

Na avaliação de Paula Espírito Santo, professora do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, o desgaste da popularidade do premiê e dos demais partidos com representação parlamentar era esperado.

“A pandemia afeta a popularidade na medida em que obriga o governo a tomar decisões de imposição de restrições de liberdades, e que há uma série de consequências em termos econômicos, como o fechamento de estabelecimentos, pessoas que foram dispensadas e que estão em teletrabalho”, afirma.

“Resta saber se são efeitos que conseguem ser ultrapassados num espaço de tempo curto, que não comprometa a eleição na próxima legislatura, daqui a três anos.”

Por se tratar de um regime parlamentarista, a possibilidade de queda do governo e da convocação de eleições antecipadas é algo que está sempre no radar das forças políticas portuguesas. Neste momento, porém, forçar a demissão do Executivo não produziria necessariamente ganhos eleitorais imediatos.

A Constituição proíbe que o presidente da República convoque eleições antecipadas durante os seis últimos meses do mandato. O atual mandato presidencial acaba daqui a menos de quatro meses, em 9 de março. O desafio mais urgente da atual gestão é a aprovação das contas para 2021.

Sem maioria absoluta no Parlamento, o premiê recebeu uma longa lista de exigências para ter votos suficientes para aprovar as contas públicas para o próximo ano. Ao todo, foram 1.365 propostas de modificação. Às já esperadas críticas dos partidos de direita, somaram-se também as demandas incisivas das legendas de esquerda.

Parceiros dos socialistas na viabilidade do governo entre 2015 e 2019, em um arranjo que acabou apelidado de geringonça devido à sua aparente fragilidade, o PCP (Partido Comunista Português) e o Bloco de Esquerda (BE) subiram o tom das queixas ao Executivo socialista, exigindo uma série de compromissos para aprovar o orçamento.

Já sinalizando concessões aos antigos parceiros de esquerda, os socialistas enfrentam ainda ofensiva da direita, que tem mirado especialmente as dificuldades econômicas e sociais devido à pandemia.

Às voltas com o repique de Covid-19, Portugal adotou uma série de novas restrições, como a declaração de estado de emergência e a imposição de um toque de recolher –das 23h às 5h nos dias de semana e das 13h às 5h aos sábados e domingos.

As medidas impactaram o setor de comércio e serviços e, principalmente, o setor de restaurantes, que tem grande peso na economia do país. Nas últimas semanas, em várias cidades de Portugal, tem havido protestos de empresários e funcionários contra a falta de apoios estatais. Em Lisboa, no sábado (14), centenas de manifestantes ocuparam o centro da capital desafiando o toque de recolher.

Em outra frente, crescem também as pressões quanto à gestão do Sistema Nacional de Saúde. Com vários dias em que ultrapassa a barreira de 6.000 novos casos diários de infecção do novo coronavírus –no pico da primeira fase houve no máximo 1.500– o país já tem vários hospitais no limite de capacidade. Desde o início da crise, Portugal soma 236 mil casos e 3.632 mortos, segundo dados da Universidade Johns Hopkins.

A aliança de direita para tirar o Partido Socialista do comando dos Açores também tem sido motivo de atenção para analistas portugueses, que se dividem quanto à importância de eleições regionais no espectro mais amplo da política do país.

Depois de 24 anos no comando do arquipélago, os socialistas foram surpreendidos nas eleições regionais do fim de outubro. Embora tenham sido a legenda mais votada, não foi possível garantir votos suficientes para estabelecer a formação de um governo.

Por outro lado, o principal partido da oposição nacional, o PSD (Partido Social-Democrata), que foi o segundo mais votado, conseguiu uma articulação pós-eleitoral com outras legendas de direita, viabilizando sua solução de governo.

A participação do Chega –partido de direita radical sobre o qual pendem acusações de racismo e xenofobia– no arranjo do governo de direita açoreano tem sido motivo de polêmica. Embora não vá participar diretamente da administração, o governo regional só pode ser viabilizado com o voto dos dois parlamentares do Chega, que fez exigências em nível nacional para aprovar o acordo.

Para a cientista política Paula Espírito Santo, ainda é prematuro avaliar o impacto da mudança nos Açores nas legislativas nacionais. Ela alerta, no entanto, para os efeitos da existência de novos arranjos políticos possíveis para a chegada da direita ao governo.

“É mais uma alternativa de viabilização de uma maioria de direita na Assembleia da República. Mas como hoje em dia a política é toda ela muito rápida e muito perecível, não se consegue também avistar soluções com esta distância”, disse. “Pode ser possível, daqui a três anos, uma aliança pós-eleitoral. Uma aliança pré-eleitoral [com os partidos coligados] não me parece.”

Pelas atuais pesquisas de intenção de voto, um eventual cenário de queda de António Costa beneficia apenas o Chega, que teria potencial de aumentar sua participação no Parlamento, que é atualmente de apenas um deputado.

No fim de janeiro, Portugal irá novamente às urnas. Desta vez, para escolher o Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa, antigo dirigente do PSD, deve ser reeleito sem dificuldades em primeiro turno. O pleito, no entanto, pode servir de termômetro para as legislativas. Líder do Chega, o deputado André Ventura é um dos candidatos.


Fonte: FOLHAPRESS