Biden e Putin se reúnem nesta quarta em busca de “reaproximação estratégica”

Primeira cúpula entre os presidentes dos Estados Unidos e da Rússia tem como objetivo uma "reaproximação estratégica", após retórica inflamada dos dois lados. Direitos humanos, Ucrânia e ataques cribernéticos devem dominar a agenda

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A ausência de um banquete de Estado e de uma entrevista coletiva dão o tom nervoso da cúpula entre os presidentes Joe Biden (EUA) e Vladimir Putin (Rússia). Os dois líderes debaterão temas espinhosos na Villa La Grange, uma edificação do século XVIII situada às margens do Lago Genebra, na capital da Suíça. Nos últimos dias, as relações entre Washington e Moscou se tensionaram, e Biden prometeu “avisar” a Putin quais são as “linhas vermelhas” que ele não poderá cruzar. Entre os assuntos mais sensíveis, estão a perseguição ao opositor russo Alexey Navalny, a ofensiva russa na Ucrânia, o apoio do Kremlin ao regime da Bielorrússia e os ataques cibernéticos que ameaçaram as eleições de 2016 nos Estados Unidos. “Sempre estou preparado”, respondeu Biden a jornalistas, quando perguntado se estava pronto para a reunião. “Não procuro um conflito com a Rússia, mas responderemos se a Rússia continuar com suas atividades prejudiciais”, acrescentou.

Por sua vez, Putin afirmou à emissora NBC esperar que Biden se mostre menos impulsovo do que o ex-presidente norte-americano Donald Trump e chegou a chamar o republicano de “homem talentoso”. A cúpula em Genebra deve durar apenas cinco horas, com início às 13h (8h em Brasília). As sessões de trabalho contarão com as presenças de Anthony Blinken e de Serguei Lavrov, respectivamente os chefes da diplomacia dos EUA e da Rússia.

A relação entre Biden e Putin apresenta desgastes desde 5 de fevereiro, quando o norte-americano declarou que “o tempo em que os EUA se sujeitavam aos atos agressivos da Rússia” acabou. Na ocasião, o norte-americano acusou o Kremlin de “envenenar cidadãos” — alusão a Navalny, que sobreviveu à ingestão do agente nervoso Novichok, em 20 de agosto de 2020. Em entrevista televisiva, Biden respondeu afirmativamente ao ser questionado se achava que Putin é um assassino. Em 15 de abril, depois que Biden impôs sanções a Moscou, ele defendeu o momento de uma “desescalada”. Hoje, em Genebra, ambos buscarão ensaiar uma aproximação estratégica. Especialistas consultados pelo Correio admitem que o encontro de hoje ocorrerá “sob baixa expectativa”.

Resultados

Um dos mais renomados estudiosos sobre a Rússia, Robert Legvold — professor de ciência política da Columbia University (em Nova York) — acredita que Biden e Putin se empenharão em fazer da cúpula um sucesso. “Eu prevejo passos, ainda que limitados, demonstrando que ambos compartilham os objetivos de transformar um relacionamento bastante danificado (e potencialmente perigoso) em uma base mais estável e previsível. Isso significa levar a sério o lançamento de um ‘diálogo de estabilidade estratégica’ projetado para reparar algumas das grades de proteção perdidas, como a necessidade do controle de armas nucleares, e a restauração das linhas de comunicação, possivelmente com mecanismos de gerenciamento de crise”, explicou ao Correio.

Questionado sobre possíveis “resultados finais” da cúpula, ele cita o possível retorno de embaixadores, a reativação das missões diplomáticas, um acordo mútuo para a extradição recíproca de cibercriminosos, além de passos concretos de cooperação sobre o Ártico. Professor de política comparativa da Universidade de Kiev-Mohyla, Olexiy Haran descarta um grande avanço entre os EUA e a Rússia. “Os dois lados precisam dar passos realistas em alguns pontos, como mudanças climáticas, combate à pandemia, conflitos regionais e temas ligados ao Irã. Poderemos ver uma abordagem comum em relação a Teerã, pois Putin e Biden não têm interesse em que o regime tenha armas nucleares”, disse à reportagem.

Para Haran, Putin começa a cúpula como vitorioso, pois precisa se mostrar como um grande líder — uma percepção ampliada pelo fato de que Biden aceitou se encontrar com ele. No campo dos direitos humanos, o especialista ucraniano aposta que o norte-americano mecionará o caso de Navalny. “Mas, não penso que Putin fará qualquer concessão, pois teme a oposição e tentará esmagá-la. E a oposição, aqui, não é apenas Navalny, mas se refere a protestos em massa”, comentou, ao advertir que Putin é um especialista em barganha. Como efeito da cúpula, Haran vê a possibilidade de os EUA e o Ocidente aumentarem a ajuda à Ucrânia em diferentes esferas. “Em resposta, a Rússia pode começar uma agressão militar contra a Ucrânia, o que pode levar ao aumento drástico das sanções. Mas, Putin não tem recursos para confrontar o Ocidente.”

» Eu acho…

“A cúpula em Genebra envolverá a sensação de que tanto Biden quanto Putin levou o outro a sério e lidou com a contraparte de uma maneira direta. O encontro dará ao norte-americano e ao russo a confiança de que ambos compreendem os pontos de perigo no relacionamento, bem como as áreas de cooperação em potencial.” Robert Legvold, professor de ciência política da Columbia University (Nova York).

“Putin pode tentar usar ações de aliados em diferentes conflitos para complicar a vida dos Estados Unidos. Também deverá manter ataques cibernéticos contra os EUA e o o Ocidente. Pode haver um progresso limitado em alguns campos, mas não um grande avanço. O fato de os dois líderes não participarem de uma entrevista coletiva, ao fim do encontro, é algo simbólico.” Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade de Kiev-Mohyla.


Fonte: Correio Brasiliense