Petrobras está no centro do furacão, mas ideia de privatizar é vista com ceticismo

As críticas à política de preços adotada pela Petrobras, de paridade internacional, também têm sido proferidas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira

(crédito: Mauro Pimentel/AFP - 9/3/20)

A troca de acusações sobre a carestia dos combustíveis entre o governo federal, governadores e a Petrobras parece estar longe do fim. Ontem, o presidente Jair Bolsonaro voltou a responsabilizar a estatal pelo alto preço da gasolina, após mais um reajuste no valor de venda nas refinarias, na última semana. Segundo o presidente, sua vontade é privatizar a maior estatal brasileira.

“É muito fácil: aumentou a gasolina, culpa do Bolsonaro. Eu tenho vontade de privatizar a Petrobras. Vou ver com a equipe econômica o que a gente pode fazer. Porque o que acontece é que eu não posso, não é controlar, eu não posso melhor direcionar o preço do combustível, mas quando aumenta, a culpa é minha”, disse Bolsonaro à Rádio Novas de Paz, de Pernambuco.

O presidente também voltou a responsabilizar os estados por cobrarem o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em cima do “preço na bomba” e relembrou que o governo zerou o imposto federal sobre o gás de cozinha, em março deste ano. “Aumenta o gás, a culpa é minha, apesar de ter zerado o imposto federal. Eu zerei em março ou abril e mesmo assim aumentou de preço”, disse.

As críticas à política de preços adotada pela Petrobras, de paridade internacional, também têm sido proferidas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Na quarta-feira, Lira questionou a função da estatal para o país, em entrevista à CNN. “Há uma política que tem que ser revista, porque hoje nem é pública nem privada. Não seria o caso de privatizar a Petrobras? Não seria a hora de se discutir qual a função da Petrobras no Brasil? É só distribuir dividendos para os acionistas? Para que serve esse patrimônio para o povo brasileiro?”, questionou.

O discurso de privatizações foi um dos motes do governo Bolsonaro desde a última campanha eleitoral, embora, na prática, pouco tenha sido feito nesse sentido. O economista Rodrigo Moliterno, especialista em Renda Variável da Veedha Investimentos, explica que, embora a desestatização da empresa pública pudesse fomentar a livre concorrência entre empresas de combustíveis, a política de preços continuaria a mesma, ainda muito dependente da variação cambial.

“Ela (Petrobras) privatizada não significa que o preço vai cair ou subir, vai depender da matéria-prima. Na prática a política seria a mesma”, afirmou Moliterno. Também é o que acredita o economista Felipe Queiroz, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas. “Bolsonaro fala sobre privatização para agradar o capital financeiro, sobretudo internacional”, disse.

“Há hoje uma retórica que tem deixado pior a imagem da Petrobras, e o Bolsonaro, por nunca ter assumido uma posição de estadista, insiste nisso. Por pura covardia, porque não vai alterar a política de preço da Petrobras. Se privatizar, a tendência, na verdade, é de piora nos preços, já que ela perde a característica de empresa pública”, afirmou Queiroz.

Mercado responde

Sempre que se fala em privatizações o mercado financeiro responde positivamente, com muitas compras de papéis da estatal, explica o economista sênior do banco ABC Brasil, Daniel Xavier. Apesar das esperanças de investidores por uma privatização, o especialista explica que as falas de membros do Executivo e do Legislativo nesse sentido e que ecoam a postura liberal defendida por Paulo Guedes desde o início do governo, também sinalizam que a atual estrutura de governança da empresa mostra alguma “blindagem” perante eventuais pressões externas (sobre a sua política de preços, por exemplo).

“Foi esta blindagem que motivou essas declarações (de Bolsonaro, Guedes e Lira), inclusive. Neste sentido, elas foram também bem recebidas pelos mercados financeiros. As ações da estatal tiveram performance positiva na sessão matinal. Mais tarde, porém, o papel voltou a ceder em função de novos ruídos políticos e fiscais. Em especial, voltou à tona a ideia de constituir um fundo com recursos de privatizações e dividendos de empresas estatais, da Petrobras em especial, para financiar programas sociais. Nada muito detalhado foi formalizado sobre este aspecto, mas houve reflexo nos preços”, explica Xavier.

O Fundo de Redução da Pobreza, mencionado por Xavier, vem sendo desenhado pelo ministro Paulo Guedes a fim de financiar o novo Bolsa Família, chamado de Auxílio Brasil, no próximo ano. A ideia é que o governo crie um fundo que seria abastecido com a arrecadação da venda de estatais e com a distribuição de dividendos. A princípio, esse fundo seria alimentado pela venda de ações da Petrobras. Na última quarta, durante evento nos Estados Unidos, Guedes, chegou a sugerir a venda de ações da empresa a fim de abastecer os programas sociais e afirmou que o “desenho” vem sendo realizado pela equipe econômica, no sentido de privatizar.

Durante todo o mandato, a equipe econômica do governo avançou pouco quando o assunto é privatização, como no caso da Eletrobras. Para Wilson Sahade, advogado especialista em direito administrativo e sócio do Lecir Luz e Wilson Sahade Advogados, em qualquer caso,oato de privatizar a estatal deve ser resultado de um planejamento e não apenas realizado para atender uma necessidade ocasional. “Independentemente do interesse em privatizar para executar uma importante política pública de distribuição de renda e desenvolvimento social, qualquer privatização deve ser objeto de estudo e planejamento, de modo que se torna inevitável questionar o motivo pelo qual o governo não aproveita elevadíssimas valorizações de operações realizadas no mercado de renda variável pelo BNDES e vende as ações que possui de diversas companhias privadas”, destacou.


Fonte: Correio Brasiliense