Teich ignora subnotificação ao dizer que Brasil tem ‘melhor’ desempenho

A fala desagradou gestores da saúde e técnicos do ministério ouvidos pela reportagem

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Ao afirmar que o Brasil é um dos países com melhor desempenho contra a covid-19, o ministro da Saúde, Nelson Teich, ignorou a larga subnotificação de casos da doença no País.

“O Brasil hoje é um dos países que melhor performa em relação a covid. Se você analisar mortos por milhão de pessoas, o número do Brasil é de 8.17. A Alemanha tem 15. A Itália 135. Espanha 255. Reino unido 90 e EUA 29”, disse Teich nesta quarta-feira, 22, em sua primeira entrevista à imprensa no cargo.

A fala desagradou gestores da saúde e técnicos do ministério ouvidos pela reportagem. Reservadamente, eles dizem que a comparação é incorreta, pois a falta de testes não permite afirmar quantos casos e mortes o País tem de fato.

Segundo boletim do Ministério da Saúde de segunda-feira, 20, o Brasil registrou 366% mais hospitalizações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) em 2020 do que em 2019. O dado sugere um largo número de pacientes da covid-19 sem diagnóstico.

A diferença de hospitalizações nas últimas semanas é gritante, comparada ao mesmo intervalo do ano anterior. Na “semana epidemiológica 13”, que se encerra no fim de março, foram 11.797 internações em 2020 contra 1.123 em 2019. Cerca de 9 mil casos desta semana ainda estavam investigação até segunda-feira.

“Os nossos números são um dos melhores. Qual o problema da covid? Ela assusta porque acomete muito rápido o sistema. E os sistemas de saúde não são feitos para ter ociosidade. Você tem de trabalhar com eficiência máxima. Saúde é muito caro. Não dá para trabalhar com ociosidade. Os hospitais trabalham no limite. Quando tem algo que sobrecarrega o sistema, é quase impossível você conseguir se adaptar na velocidade necessária”, disse Teich.

Para o médico Julival Ribeiro, porta-voz da Sociedade Brasileira de Infectologia, comparar a performance do Brasil com outros países no combate a covid-19 exige mais testes e mais dados. O ministério promete ter em mãos 46,2 milhões de testes na crise, mas só entregou 2,5 milhões até agora aos Estados. Destes, apenas 524,3 mil são do tipo RT-PCR, usado para um diagnóstico definitivo da doença.

“Nos Estados com isolamento social a gente postergou um pouco (o crescimento de casos). Eles não vêm ocorrendo ao mesmo tempo. Mas a gente nunca viu tanta pneumonia. Será que não é covid? Mas não temos testes de diagnóstico?”, disse Ribeiro.

Letalidade

Ao elogiar dados do Brasil, Teich também deixou de lado a taxa de letalidade do País. Ainda que distorcido, também por causa da subnotificação, o percentual do Brasil é de 6,3% de mortes sob o total de casos. Na Alemanha, citada pelo ministro, a taxa cai para cerca de 3%. Os vizinhos Argentina (4,8%), Paraguai (3,8%) e Chile (1,4%) também mostram indicadores melhores que o do Brasil. Os dados são da universidade Johns Hopkins, também usados pelo ministério.

“A gente não tem dados. Só em São Paulo havia milhares de testes para serem analisados. Só isso já era um furo. Não temos teste RT-PCR, que diagnostica o vírus”, afirma o infectologista Ribeiro.

Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou.


Fonte: ESTADÃO CONTEÚDO