O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse, ontem, que o presidente Jair Bolsonaro mente e adota o mesmo discurso de “extremistas bolsominions”. Na quinta-feira, durante a live semanal, o chefe do governo acusou o parlamentar de ser o responsável pelo não pagamento do 13º salário aos beneficiários do Bolsa Família, por ter, segundo ele, deixado caducar a medida provisória (MP) que trata do assunto. Em reação, o deputado chegou a pautar a votação da MP 1.000/2020, que prorrogou o auxílio emergencial até este mês, reduziu o pagamento mensal de R$ 600 para R$ 300 e fixou o pagamento do 13º do Bolsa Família. O parlamentar acabou recuando da decisão depois de o governo admitir publicamente que não queria a aprovação da matéria, porque não há recursos para fazer os pagamentos.
BOLSA FAMÍLIA: 13º é motivo de atrito entre o presidente Bolsonaro e Rodrigo Maia
Parlamentar ameaça votar MP para conceder o benefício, mas governo age rápido e impede votação
Maia respondeu às acusações de Bolsonaro da tribuna do plenário, algo incomum entre os presidentes da Câmara. “Mentiu em relação à minha pessoa”, disse. “Aliás, muita coincidência a narrativa que ele usou ontem (quinta) com a narrativa que os bolsominions usam, há um ano, comigo, em relação às medidas provisórias que perdem validade na Casa. A narrativa que eu deixei caducar a MP do 13º não vem de hoje. Peguem as redes sociais dos extremistas bolsominions que vocês vão ver: ‘Rodrigo Maia derruba e caduca medida provisória do 13º do Bolsa Família”.
O parlamentar disse que tem recebido muitos pedidos para colocar em votação a MP 1.000/20, enviada em setembro pelo governo. A inclusão do 13º salário do Bolsa Família no texto foi feita pelo relator da matéria, deputado Marcelo Aro (PHS-MG), em articulação com Maia. Uma eventual aprovação da MP seria uma forte pressão sobre os gastos do governo. A decisão do presidente da Câmara de retirar a matéria da pauta de votações acabou sendo um alívio para o Planalto.
No discurso, o presidente da Câmara, bastante irritado, disparou: “O próprio ministro Paulo Guedes, hoje (ontem), confirmou que o presidente é mentiroso quando disse que, de fato, não há recursos para o 13º do Bolsa Família”.
O deputado disse que o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), também desmentiu Bolsonaro. Nas redes sociais, o deputado do PP citou uma outra MP, a 898/2019, e disse que ela não foi votada porque não havia recursos federais para bancá-la. “A medida provisória previa o 13º do Bolsa Família que foi pago em 2019. O relator, senador Randolfe Rodrigues, incluiu um abono natalino para o BPC (Benefício de Prestação Continuada) no valor de um salário mínimo. Não haviam (sic) recursos disponíveis para isso, segundo o Ministério da Economia. Por isso, a MP não foi votada”, explicou Barros, nas redes sociais. No início da tarde de ontem, ele admitiu que foi o próprio Executivo que pediu para que a MP 1.000, assinada por Bolsonaro e que trata da prorrogação do auxílio emergencial, não fosse votada.
Maia frisou que será aliado do governo, “não do presidente, nas pautas que modernizam o Estado brasileiro, respeitando o limite de gastos”. Ele ainda destacou que “a população não merece pagar a conta da incompetência e da falta de coragem do governo” em fazer a reestruturação das despesas do Estado.
“Quando você disputa uma eleição para ser presidente do Brasil, você assume a responsabilidade de dar o norte do nosso país. Infelizmente, não é o que tem acontecido nos últimos quase dois anos. E digo mais: se o presidente da República tivesse tido coragem, podíamos estar discutindo o 13º do Bolsa Família aqui hoje (ontem), podíamos estar discutindo a expansão do auxílio emergencial aqui hoje (ontem)”, declarou. “Se, hoje, o governo não consegue promover uma melhora no Bolsa Família para esses milhões de brasileiros que ficarão sem nada a partir de 1º de janeiro, a responsabilidade é, exclusiva, dele (Bolsonaro), que tem um governo que é liberal na economia, mas não tem coragem de implementar essa política dentro do governo e, principalmente, dentro do Parlamento.”
Obstrução
A MP, enviada pelo governo em setembro, prorrogou o auxílio emergencial até dezembro de 2020 e reduziu o valor do pagamento para R$ 300. Quando a oposição conseguiu incluir no texto o pagamento do 13º do Bolsa Família e anunciou que apresentaria um destaque para aumentar o valor para R$ 600, a base governista passou a fazer obstrução, com o intuito de evitar a votação da matéria.
Guedes: pagar seria crime de responsabilidade
O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou, ontem, que a recomendação de não pagar o 13º salário do Bolsa Família, neste ano, partiu do governo federal, apesar de o presidente Jair Bolsonaro ter tentado jogar para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a responsabilidade pelo não pagamento do benefício.
Ao apresentar o balanço anual do Ministério da Economia, Guedes admitiu que foi obrigado a recomendar o não pagamento do benefício para evitar que o governo incorresse em um crime de responsabilidade e ficasse suscetível a um processo de impeachment. O mesmo argumento foi usado pelo ministro para justificar a tentativa do governo de derrubar a prorrogação da desoneração da folha.
“Eu desejaria dar o 13º salário do Bolsa Família, mas é um descumprimento da lei. Eu desejaria desonerar a folha, mas não posso fazer isso, é um crime de responsabilidade fiscal”, alegou o chefe da equipe econômica. “Eu sou obrigado, contra a minha vontade, a recomendar que não pode ser dado o 13º salário. É lamentável, mas você tem que olhar… Ou comete crime de responsabilidade e fica submetido a um impeachment ou… Desejaríamos dar o 13º do Bolsa Família, mas é um descumprimento da lei”, enfatizou.
O 13º do Bolsa Família é uma promessa de campanha de Bolsonaro e foi pago no ano passado, por meio de uma medida provisória. Porém, não entrou no Orçamento deste ano. Guedes argumentou que, para pagar o benefício por dois anos consecutivos, o governo precisaria indicar uma fonte definitiva de recursos voltada a esse gasto, para não desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). De acordo com ele, esse debate seria levantado na discussão legislativa do pacto federativo, que não avançou, em 2020, por causa da pandemia da covid-19.
“No primeiro ano, demos o 13º conforme tinha sido prometido na campanha. Quando entrou o segundo ano, que é agora, observamos que, pela legislação vigente, se você der o 13º por dois anos seguidos, está cometendo crime de responsabilidade fiscal, porque não houve provisão orçamentária de recursos”, justificou. “Começamos o ano pensando em fazer o pacto federativo. Com o pacto, poderíamos abrir espaço no Orçamento e haveria espaço fiscal para darmos o 13º do Bolsa Família, mas não aconteceu isso.”
Ele lembrou que a pauta não avançou por causa da crise sanitária e destacou que o Orçamento de Guerra se restringe aos gastos para o combate à covid-19, logo, não poderia abranger o 13º do Bolsa Família.
Na quinta-feira, em live, Bolsonaro disse que o benefício não seria pago porque o Congresso deixou caducar a medida provisória que instituía o abono natalino para as famílias de baixa renda. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), rebateu a acusação, dizendo que o chefe do Executivo mentiu. É que a medida provisória enviada pelo governo previa o pagamento do 13º salário do Bolsa Família apenas em 2019. A previsão de que o benefício fosse definitivo foi apresentada por meio de uma emenda do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Desoneração da folha
Da mesma forma, o ministro disse que foi obrigado a recomendar que o governo recorresse da decisão do Congresso de derrubar o veto de Bolsonaro e manter a desoneração da folha de 17 setores econômicos em 2021. O recurso foi apresentado, nesta semana, pela Advocacia-Geral da União (AGU) ao Supremo Tribunal Federal (STF).
No pedido, a AGU argumentou que a prorrogação da desoneração representa uma redução de R$ 9,78 bilhões na arrecadação da contribuição previdenciária em 2021. Guedes acrescentou que, por isso, seria preciso indicar a fonte de recursos que compensaria essa perda de arrecadação.
“Todos sabem que eu sou a favor da desoneração da folha. Mas, para desonerar a folha, tem que botar outra receita no lugar. Se não é aprovado o pacto federativo, se não tem espaço fiscal, se não tem receita, eu não posso dar a sugestão ao presidente que desonere”, ressaltou. Ele concluiu que a AGU foi forçada a apresentar esse recurso ao STF para “eximir o Executivo de qualquer crime de responsabilidade”. “É inconstitucional, não pode ser feito”, cravou.
Novo imposto
O ministro Paulo Guedes tem defendido a desoneração total da folha de pagamentos. Porém, prega a criação de um imposto sobre transações financeiras, nos moldes da antiga CPMF, para compensar essa perda de arrecadação — proposta que não avançou, neste ano, por conta da resistência de parlamentares, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, mas que, segundo Guedes, pode ser retomada em 2021. Ele ressaltou que o governo não vai aumentar a carga tributária dessa forma, porque a ideia é fazer uma substituição tributária.
Fonte: CORREIO BRAZILIENSE