Poucas horas depois de ter sido aprovado com folga pelo Senado Federal para comandar a PGR (Procuradoria-Geral da República), Augusto Aras foi nomeado na noite de ontem (25) para o cargo pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL).
A nomeação foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União. Aras teve sua indicação avalizada por 68 votos a 10, em votação secreta. Nas últimas semanas, percorreu 74 gabinetes para costurar apoio de senadores da base do governo e da oposição.
Depois de ter sido confirmado pelos senadores, o procurador se reuniu com Bolsonaro no Palácio da Alvorada por pouco mais de uma hora.
A posse de Aras foi marcada para hoje (26), às 10h, na Casa Civil, no Palácio do Planalto.
A votação no plenário do Senado ocorreu no mesmo dia em que Aras foi sabatinado pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), numa audiência em que mandou recados à Lava Jato ao dizer que a operação cometeu excessos e está passível de correções. Nas últimas semanas, percorreu gabinetes para costurar apoio de senadores da base do governo e da oposição.
Nascido em Salvador, o subprocurador-geral da República correu por fora da lista tríplice para ser indicado pelo presidente -que rompeu uma tradição de 16 anos aos desprezar os três primeiros nomes de eleição interna da categoria.
Agora, ocupará pelo menos até 2021 a vaga na PGR que nos últimos dois anos esteve com Raquel Dodge.A data da posse será definida entre Aras e o presidente -a intenção do Palácio do Planalto é que a cerimônia seja marcada para a próxima semana.
Antes da votação no plenário do Senado, Aras foi submetido a cinco horas de sabatina na CCJ da Casa -onde recebeu 23 votos a favor da sua nomeação e 3 contrários.
Criticado por colegas por ter encampado bandeiras de Bolsonaro em meio à disputa pela indicação para a PGR, Aras negou, no Senado, a possibilidade de atuar com submissão, pregou independência entre os Poderes e evitou explicitar alinhamento completo com teses bolsonaristas.
Além de ser chefe do Ministério Público Federal, uma das atribuições do procurador-geral é encaminhar possíveis investigações que envolvam o presidente da República.
Em sua gestão, enfrentará temas de interesse do governo que vão com frequência ao Supremo (como deve acontecer com normas que flexibilizem porte e posse de armas e com discussões ambiental e indígena), além da investigação sobre o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente, e do desgaste da Lava Jato após a divulgação de mensagens da força-tarefa obtidas pelo site The Intercept Brasil.
Questionado pelos senadores, defendeu a Lava Jato como um “marco no combate à corrupção”, mas apontou falhas e defendeu mudanças. “Sempre apontei os excessos, mas sempre defendi a Lava Jato, porque a Lava Jato não existe per se. A Lava Jato é o resultado de experiências anteriores, que não foram bem-sucedidas na via judiciária”, disse Aras.
Na sabatina, ele citou uma série de operações que antecederam a Lava Jato, como Satiagraha e Castelo de Areia. “Esse conjunto de experiências gerou um novo modelo, modelo esse passível de correções, e essas correções eu espero que possamos fazer juntos, não somente no plano interno do Ministério Público, mas com a contribuição de vossas excelências”, afirmou aos senadores.
Ao mencionar problemas da Lava Jato, defendeu que agentes públicos se manifestem apenas nos autos e somente na fase de ação penal. Também indicou a falta de gente mais velha e experiente na operação.”Talvez tenha faltado nesta Lava Jato a cabeça branca para dizer que tem muitas coisas que pode, mas que tem muitas coisas que não podemos fazer”, afirmou.
Aras foi abordado especificamente sobre a atuação do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, que teve sua conduta exposta após a divulgação de mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil.
Ele disse que Deltan fez um “grande trabalho”, mas que, “se houvesse lá alguma cabeça branca” na equipe, tudo poderia ter sido feito “com menos holofote, com menos ribalta”.
O procurador negou o tempo todo que haja corporativismo no Ministério Público e que não haja punição a seus quadros. Deltan é alvo de ação no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).
Questionado sobre a utilização de relatórios de inteligência financeira pela Receita e sobre relatórios do Coaf, Aras disse que o servidor público tem o dever de comunicar o conhecimento de prática de ilícito.O tema é caro ao senador Flávio Bolsonaro, uma vez que relatórios do Coaf levaram à abertura de investigação contra o filho do presidente da República.
“Nós temos o dever de denunciar, de comunicar os ilícitos porventura existentes. Os auditores fiscais por isso estariam no dever de comunicar as eventuais irregularidades”, afirmou Aras.
Aras afirmou que terá uma atuação independente garantida pela Constituição. Foi uma tentativa de rebater críticas de opositores que apontam risco de tutela da PGR por Bolsonaro, a quem agradeceu publicamente pela indicação.
Ele chegou a defender a lei de abuso autoridade (que prevê punições por excessos a juízes e procuradores, dentre outros), um dia depois de o Congresso derrubar 18 dos 33 vetos que haviam sido feitos pelo Executivo. “Não há alinhamento, no sentido de submissão, a nenhum dos Poderes, mas há, evidentemente, o respeito que deve reger as relações entre os Poderes e suas instituições.”
Perguntado se considerava a chegada dos militares ao poder, em 1964, um golpe, ele se esquivou e disse entender que houve um “endurecimento” e “cerceamento de liberdades” em 1968. Alguns senadores reagiram negativamente à resposta de Aras. A família Bolsonaro tem um histórico de exaltação ao período da ditadura militar.
Diante de outros temas caros a apoiadores do presidente da República, Aras evitou exacerbar suas posições e, em alguns casos, defendeu a atuação parlamentar. Segundo ele, assuntos como aborto e descriminalização da maconha são “caros” e “relevantes”, devem merecer a apreciação do Congresso Nacional “e não devem ser objeto de ativismo judicial”.
Aras disse que, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) analisa e se manifesta sobre temas como criminalização da homofobia, casamento homoafetivo e descriminalização de drogas, “é preciso saber em que nível está operando o Supremo, se está no nível da interpretação, se está no nível da mutação ou se está usurpando as competências do Senado e da Câmara Federal”.
Ao falar de meio ambiente, disse que o Brasil tem uma legislação moderna e abraçou o conceito de desenvolvimento sustentável. Afirmou ser preciso que, sob tais premissas, o Ministério Público busque “múltiplas respostas certas”.
Aras foi questionado por senadores sobre a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho de Jair Bolsonaro, como embaixador em Washington. Resumidamente, respondeu que a súmula que disciplina o nepotismo não o estende a agentes políticos. Caso a indicação seja oficializada pelo governo e haja questionamento na Justiça, a PGR terá que se manifestar.
O momento mais tenso da sessão foi quando Aras foi interpelado pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES). Homossexual, o senador o indagou sobre os motivos que o levaram a se comprometer com uma carta da Associação Nacional de Juristas Evangélicos, segundo a qual “a instituição familiar deve ser preservada como heterossexual”. O documento também defende o tratamento de reversão sexual, a chamada “cura gay”.”O senhor não reconhece a minha família como família? Eu tenho subfamília?”, perguntou o senador. “Eu sou doente, senhor procurador?” Aras disse não ter lido a pauta e que o item que trata de “sexualidade, valorização da família e preservação da vida” tem “um enfoque que está superado pelas decisões do Supremo Tribunal Federal”. Ele também afirmou não acreditar em cura gay.
“Não posso deixar de compreender todos os fenômenos sociais e humanos. Posso dizer que respeito muito vossa excelência”, disse o subprocurador, destacando que sua única ressalva é de ordem formal. “Me sentiria muito mais confortável, por mim e pelos meus amigos e amigas que têm casamento em todos os sentidos com pessoas do mesmo sexo, com uma legislação, com uma norma constitucional em que eu não lesse, nesta Constituição, homem e mulher, mas em que eu lesse pessoa, cidadão ou cidadã”, afirmou.
Na área de direitos humanos, o sabatinado defendeu o Estado laico e a liberdade de expressão como fundamentais à democracia.
Ao tratar da questão indígena, falou da importância de preservar costumes e tradições, mas defendeu a possibilidade de que os índios possam, dentro da legalidade, produzir em suas terras. “Índio também quer vida boa, compatível com suas necessidades. Não quer pedir esmola, viver ao lado de quem produz e ter cem mil hectares disponíveis e não poder produzir porque tem dever de continuar como caçador e coletor”, afirmou.
Logo no início da sessão, apresentou à comissão documentos que comprovam que devolveu sua carteira da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e se retirou da sociedade do escritório Aras e Advogados Associados, com sede em Salvador.
PRINCIPAIS TEMAS DA GESTÃO ARAS
Inquérito das fake newsA antecessora de Aras, Raquel Dodge, já pediu o arquivamento da investigação instaurada em março pelo presidente do STF, Dias Toffoli, por discordar da condução do caso pelo Supremo. O objeto da apuração não é totalmente conhecido, pois o caso está em sigilo e nem a PGR teve acesso. Há a possibilidade de que venha a atingir membros do MPFMensagens da Lava JatoOs diálogos entre procuradores da operação divulgados pelo site The Intercept Brasil e outros veículos de imprensa também devem elevar a pressão sobre o novo PGR. Ministros do STF já cobram providências da chefia da instituição sobre a força-tarefa de Curitiba, especialmente o coordenador, Deltan DallagnolProjetos e decretos do governo
Decretos e projetos de lei de interesse do governo Bolsonaro vão com frequência para o STF, o que deve acontecer, por exemplo, com normas que flexibilizem porte e posse de armas. Direitos fundamentais e as questões ambiental e indígena estão na pauta de julgamentos da corte na segunda metade deste semestre, quando o novo procurador-geral já tiver assumidoCaso Flávio Bolsonaro
A investigação sobre o senador do PSL-RJ, filho mais velho do presidente da República, será outro teste. O STF deve discutir em novembro a decisão de Toffoli que suspendeu, temporariamente, o inquérito sobre Flávio no Ministério Público do Rio de Janeiro. A decisão terá impacto em inúmeras investigações, pois definirá como poderão ser usadas as informações produzidas sem autorização judicial por órgãos como a Receita.
Fonte: FOLHAPRESS
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