Governador do Amazonas afirma que não pode ficar sem recursos do Fundo

O Fundo Amazônia, extinto por Bolsonaro,ainda não afeta o Estado, mas a situação é preocupante, diz Wilson Lima

© Bruno Kelly/Reuters

O dinheiro internacional e o Fundo Amazônia são essenciais para a conservação da Amazônia. É o que diz Wilson Miranda Lima (PSC), governador do estado do Amazonas, que também vê a fragilização de órgãos de fiscalização ambiental e a ampliação de um discurso de permissividade para crimes ambientais.

Segundo Lima, a suspensão do Fundo Amazônia -provocada pela extinção, por decreto do presidente Jair Bolsonaro (PSL), dos conselhos que o geriam, ainda não afeta o estado, mas a situação é preocupante.

O governador diz que, caso não haja acordo entre governo federal, Noruega e Alemanha, principais doadores do fundo, os estados amazônicos buscarão verbas por meio de um consórcio ou individualmente, sem a presença do poder federal. “O fato é que o Fundo Amazônia é essencial e não podemos ficar sem esses recursos”, diz.




Lima também afirma que pessoas que estão sendo autuadas pelas queimadas que se espalham pelo estado e pelo país – e que, segundo ele, não têm nada a ver com ONGs, como acusou, sem provas, Bolsonaro – agem como se fossem ser anistiadas no dia seguinte.

“O cara simplesmente diz: ‘pode multar, para mim não tem problema’. Como se ele não estivesse cometendo nenhum crime”, diz o governador do Amazonas, estado que, entre janeiro e agosto deste ano, teve aumento de cerca de 146% das queimadas em relação ao mesmo período de 2018, e que no início deste mês decretou situação de emergência por conta dos incêndios.

Há um discurso de “tudo pode” e de desrespeito às instituições de fiscalização, segundo o governador. Ele, contudo, não associa o fato diretamente ao discurso de Bolsonaro. Segundo Lima, alguns grupos distorcem as palavras do presidente e do seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Desde antes da posse, Bolsonaro adotou uma posição de ataques e críticas a órgãos de fiscalização ambiental. Em abril, reportagem da Folha de S.Paulo mostrou vídeo no qual o presidente desautoriza uma operação do Ibama contra roubo de madeira na Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia.

Em 2012, Bolsonaro foi multado pelo Ibama por pesca irregular na Estação Ecológica de Tamoios, unidade de conservação em Angra dos Reis. A multa nunca foi paga, prescreveu e o então deputado federal buscou retaliar fiscais do órgão. O agente que multou Bolsonaro foi exonerado neste ano.




Reportagem da Folha também mostrou que, sob Bolsonaro, as multas contra desmatamento caíram 23%.Com Salles à frente do ministério do Meio Ambiente criou-se um núcleo de conciliação de multas, que pode alterar e anular a autuação.

PERGUNTA – Afinal, quem faz queimadas na Amazônia?

WILSON LIMA – A maioria delas são queimadas criminosas, em terrenos federais, assentamentos do Incra, em reservas de proteção ambiental federal. Nossos levantamentos indicam que a maioria tem sido para atividade agropecuária e para outras com fins econômicos, como especulação. Ainda não temos as queimadas que acontecem espontaneamente, no processo mais intenso de estiagem, que deve acontecer em setembro.

P. – E nada de participação de ONGs?

WL – Não.

P. – Queimadas e desmatamento estão intimamente ligados. Do ano passado para cá, o estado do Amazonas teve aumento de cerca de 146% nos focos de fogo. O que explica o aumento gritante?

WL – Esse é um processo histórico que acontece na Amazônia, de cadeia de interesses econômicos, de especulação imobiliária. E também há o discurso propagado da permissividade. Há vazamento de outros estados, como Mato Grosso e Rondônia, para ampliação de áreas agropastoris. Não há um fenômeno climatológico que possa explicar esse aumento das queimadas ilegais. Vemos muito a questão do tudo pode, desrespeito às instituições, principalmente àquelas de fiscalização.

Ao entregar autos de infração para alguns que praticaram as queimadas, o cara simplesmente diz: “pode multar, para mim não tem problema”. Como se no outro dia ele fosse ser anistiado ou como se ele não estivesse cometendo nenhum crime.

P. – Muitos associam esse tipo de discurso de permissividade ao núcleo duro do governo Bolsonaro.

WL – Eu acredito muito na honestidade e na boa intenção do presidente de promover o crescimento do país, no processo de desburocratização. Eu não acredito que o presidente tenha a intenção de promover esse tipo de situação.




Mas tem muita gente confundindo esse discurso, confundindo o posicionamento do ministro do Meio Ambiente que fala em desburocratizar, em desenvolver de forma sustentável a Amazônia. Tem gente que faz essa confusão e pensa que tudo pode, e não é assim. Vários setores acabam pegando isso e potencializando. Distorcem a ideia de desburocratização. Os órgãos de controle e fiscalização acabaram sendo banalizados.

O que temos trabalhado junto ao governo federal -falo dos governadores da Amazônia- é o fortalecimento institucional para deixar muito claro o nosso posicionamento em defesa do que é correto, do que é legal. As pessoas que estão cometendo esses crimes têm que ser punidas com o rigor da lei, exemplarmente.

P. – A mudança desse panorama passa pela presidência e o Ministério do Meio Ambiente tendo um discurso mais forte sobre combate ao desmatamento e apoio aos órgãos de fiscalização?

WL – Na terça temos um encontro com o presidente Bolsonaro e com o ministro do Meio Ambiente para definir essas estratégias. A GLO (Garantia da Lei e da Ordem) [que autoriza uso das Forças Armadas na Amazônia para o enfrentamento das queimadas] assinado pelo presidente é um passo importante e o que precisamos é dar essa resposta firme e encontrar caminhos para fortalecimento dos instrumentos fiscalização na Amazônia.

P. – O Fundo Amazônia está suspenso. Como essa paralisação afeta o estado do Amazonas?

WL – Por enquanto não compromete os projetos no estado. Nós temos atualmente um recurso alocado, inclusive já com o estado, recursos na ordem de R$ 30 milhões. Mas nos preocupa porque compromete outras atividades a médio prazo.

Torcemos para que haja um entendimento entre o governo federal e os países que financiam o fundo. Se isso não evoluir, os governadores da Amazônia estão estudando qual caminho seguir. Se vamos conversar na condição de consórcio para reativar o fundo ou se individualmente os estados vão acessar os recursos junto a Noruega e Alemanha. O fato é que o Fundo Amazônia é essencial e não podemos ficar sem esses recursos.

P. – Quais projetos, por exemplo, contam com esses recursos?

WL – Ainda estamos construindo. Por exemplo, o nosso plano plurianual e nossa Agenda 2030 [objetivos elencados pela ONU para acabar com a pobreza e proteger o planeta, entre outros pontos] contêm situações que carecem de ajuda financeira e o Fundo Amazônia seria uma alternativa.

O zoneamento econômico ecológico também é fundamental para avançar no manejo sustentável de madeira, de pirarucu, do jacaré, do quelônio, investimento em energia limpa e alternativa com placas solares, principalmente em comunidades dentro de reservas de desenvolvimento sustentável.

P. – Qual a importância dos recursos internacionais para proteção da Amazônia?

WL – Eles são fundamentais. Nos ajudam, por exemplo, a financiar projetos de turismo de base. Nas reservas do rio Uatumã, dez pousadas foram construídas pela comunidade e tudo que entra de receita é revertido pra comunidade que trabalha com turismo de base, na pesca esportiva.

Há alguns projetos na comunidade do Tumbira, outros de cooperativas inaugurando agroindústria para produção do açaí que foi financiada com o Fundo Amazônia. Há uma série de atividades no estado com recursos do fundo.

Fonte: FOLHAPRESS